Protesto contra as certezas

A dúvida não é uma condição agradável, mas a certeza é absurda. - Voltaire

Devo começar confessando que isso não é, de fato, um protesto, apenas uma divagação de pensamentos que, por falta de palavra melhor em meu vocabulário atual, chamo de protesto ou manifesto de decepção contra aqueles sobre os quais vou mencionar no decorrer dessa divagação (ninguém específico, porém ainda muito fácil de identificar).

É justo começar compartilhando a verdade de que, no fundo, sinto uma forma de inveja daqueles que conseguem ter certezas tão fortes que as defendem contra qualquer argumento; certezas que os fazem estar fechados a qualquer possibilidade de estarem errados. Essa inveja se dá pelo fato de que eu, pessoalmente, me torturo, de certa forma, com dúvidas constantes, até mesmo das certezas que escolhi para mim.

Há aqueles que têm preguiça de pensar e que delegam suas convicções a verdades que lhes foram dadas, sem questioná-las. Tais pensamentos frágeis despertam-me uma raiva profunda. Preguiça de pensar ou simplesmente uma paixão cega pelo seu ponto, independentemente de qual seja. Uma paixão que parece que seria uma ofensa à sua existência caso em uma investigação se provassem que estão no fundo errados, o que em muitos casos mesmo que se provem errados eles preferem seguir errados por que defender sua ideologia cegamente é mais importante do que a humildade intelectual de aceitar que seguiu acreditando algo erroneamente por muito tempo de vida.

Esses me lembram um trecho do livro Memórias do Subsolo, no qual o autor diz o seguinte:

…Há um caso, um só, quando o homem pode desejar conscientemente, propositadamente, o que é prejudicial a si mesmo, o que é estúpido, muito estúpido-simples, a fim de ter o direito de desejar para si mesmo até mesmo o que é muito estúpido e não estar vinculado à obrigação de desejar apenas o que é sensato. É claro que esta coisa muito estúpida, este nosso capricho, pode ser na realidade, senhores, mais vantajosa para nós do que qualquer outra coisa na terra, especialmente em certos casos. E, em particular, pode ser mais vantajoso do que qualquer vantagem, mesmo quando nos causa danos óbvios, e contradiz as mais sólidas conclusões de nossa razão a respeito de nossa vantagem - pois em qualquer circunstância preserva para nós só o que é mais precioso e mais importante - isto é, nossa personalidade, nossa individualidade.

Não deve ser difícil identificar aqueles que se encaixam tão certamente no trecho acima. Aqueles que em discussões políticas, religiosas ou sobre qualquer outro tema preferem reafirmar suas convicções como se estivessem lutando para defender uma parte do seu ser do que se abrirem à possibilidade de estarem errados e buscarem a verdade sobre o tema. Admitir uma verdade diferente da que lhes é conviniente é como deixar uma parte do seu precioso ego morrer e por isso é preferível a eles continuar a escolher a defender qualquer que seja seu ponto mesmo às provas e evidências do mais perfeito contrário. E essa escolha de defesa cega eu sou forçado a rotular como uma preguiça de pensar; uma preguiça de fazer uma investigação racional.

Recentemente tenho me envolvido em algumas discussões e particularmente me surpreendido ainda com esse fato. Acho que é válido contextualizar a minha forma de lidar com qualquer tópico e com as convicções que tomei para mim: Eu parto do princípio de que em qualquer matéria, existe a possibilidade de que eu esteja errado. Eu preciso estar aberto a essa possibilidade para reafirmar e fortalecer a minha convicção ou aprender e seguir com convicções melhores até que se prove o contrário. Quando me deparo estudando algo, conhecendo um novo tópico, no momento em que percebo que formei uma opinião, uma crença - ou uma certeza -, eu me sinto na obrigação de tentar provar para mim mesmo que eu estou errado. Procurar por todos os possíveis pontos para que me provem errado para que no final eu termine com uma certeza favorecida ou um erro corrigido. Mesmo quando essa certeza é fortalecida, eu ainda tenho dificuldade de tê-la como uma certeza absoluta, estou obrigado pelo meu pensamento racional a sempre estar aberto à possibilidade de estar errado.

Quero deixar claro que não tenho nada contra as questões de fé escolhidas, mas quando você escolher uma fé, ela é particular sua, ela é sua fé por escolha e por isso eu concordo que no momento em que você fala que acredita naquilo por fé o debate deve se encerrar, não há o que argumentar.

Porém, minha angústia aqui vai contra aqueles que querem debater, seja com falácias repetidas, comprovadamente erradas, baseadas em boatos, falta de pensamento crítico ou falta de pesquisa e de autoridade sobre o assunto, ou aqueles que se entregam a pesquisar apenas para provar seu ponto e não para tentar encontrar a verdade. É muito fácil mergulhar em uma espiral infinita de viés de confirmação, apenas procurando por evidências para comprovar seu ponto. Da próxima vez que você se vir debatendo se uma ideia é certa ou errada, e acreditando que ela é errada, se vir pesquisando algo como “por que tal ideia é errada” ou, nos dias de hoje, jogando no ChatGPT “Me dê os argumentos para provar que tal ideia é errada”, saiba que você já está começando errado. Pode ser uma perda de uma parte da sua personalidade, da sua individualidade, descobrir que estava errado, mas é uma ofensa à sua capacidade intelectual não estar aberto a essa possibilidade.

Então meu convite final é que você não é obrigado a debater, lhe é permitido escolher qualquer convicção como uma fé, porém se você se colocar na posição de criticar ou de debater algo exercendo sua racionalidade que o faça de forma honesta. Pois não há honestidade maior do que a de estar errado e ter a humildade de reconhecer e crescer intelectualmente com isso.

“Duvido, logo penso; penso, logo existo.” — René Descartes

“A dúvida não é uma condição agradável, mas a certeza é absurda.” — Voltaire

“É preciso duvidar até das próprias dúvidas.” — Friedrich Nietzsche

“A dúvida é o princípio da sabedoria.” — Aristóteles

“O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete.” — Aristóteles

“A dúvida é incômoda, mas é ela que move o espírito humano.” — Blaise Pascal

Comentários